quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Se já não sabemos
Se sonhamos
Ou vivemos
Como fazer agora
Pra não nos perdermos?

Vida vira labirinto
Erramos o rumo
E só vemos a sombra
Em cada canto que surge.

Onde ficamos?
Cadê nossas verdades
Identidade
Vontade?

Até o fogo apagou
Antes tão vivo
Sempre tão forte
Disposto a tudo
Que matasse a morte.

Esquecer
É o que queremos.
Pular esta etapa
Em que sumimos de nós.

no relento

Buscando distração
Ando pela rua
Olhando pra cima
Ouvindo do topo das árvores
O canto do passarinho
Que surge como recado
De quem saiu do seu ninho.

Saiu o passarinho
Em seu vôo ligeiro e certo
Atrás de minhoquinhas
Que leva coladas ao bico
Até ficar satisfeito.

Mas um carro na rua
Desperta minha tensão
E lá se vai embora
Qualquer tentativa de distração.

Perdi a conta
De quantos vi passar
Azuis, amarelos, cor de baunilha.
Antes não os via
Também antes
Não sentia.

Saudade que é quarto escuro
É espreita de movimento
Espera de sons estranhos
É ficar no relento.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

uma fresta na porta

Deixei uma fresta na porta
E espero
Meio tonta e com a luz torta
Uma nota de resposta
Que não desejo por palavras:
Desejo sim
Um sopro
Um rompante
Arroubo calado
Linguagem do corpo
Que sabe que não é tarde.

Deixei uma fresta na porta
E aceito a poeira que entra
Misturada ao ar mais fresco
De uma qualquer aurora.

Deixei uma fresta na porta:
Se entrarem
Estarei pronta.

domingo, 27 de setembro de 2009

pé na porta

Pra quê carregar tanto orgulho?
Pra exibi-lo na hora errada
Como presente sem embrulho?

Porque aceitar o peso
Que a beleza externa
Te propõe?

Semelhança de aparências
Proporção de estruturas.

E o louvor às diferenças
Era só uma desculpa?

O segredo mais bonito
Precisa ficar escondido?

Derrubei a porta:
Mandei embora
Tudo que sufoca.

sábado, 26 de setembro de 2009

ir, vir, devir

Em quem você pensa antes de dormir?
Como você faz pra explicar
O que não consegue não-sentir?
O que fazer pra espantar um som
Que já não se pode mais ouvir?
Será possível controlar os impulsos
Que se mostram mais fortes que o devir?
No fim,
A chuva leva
A chuva lava
Todo resto de saudade
Que te cospe na cara.

domingo, 20 de setembro de 2009

Jerusalém


chiclete no asfalto

Somos todos bonequinhos
Girando meio tontos
No éter do espaço.

Sem perceber
Nos fundimos:
Chiclete no asfalto.
Aderimos à superfície
E nos integramos ao cimento.

Prolongo a noite
Memória guardada na carne
O corpo repete o ontem
Mas agora
É tarde.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

sem sofrimento não há poesia

Casa com a fantasia
E morre chorando
Acredita que a dor
Inspira seu mundo.

Sem sofrimento
Não há poesia.

Ninguém acorda
Do lado virado.

Apega-se ao fim
Deleite de melancolia.

Faz da angústia
Sua maior alegria.

Encontra as amigas
No boteco da esquina
Brincam com as taças
Bebem suas vidas
Sentem que aquele
É o último dia.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

time to say...goodbye

Ao contrário da maioria das pessoas, eu gosto de despedidas.
Elas finalizam ciclos, conversas, viagens, amores, partidas.
Quando criança, minha mãe não me levou aos enterros dos parentes que foram morrendo.
E durante anos, eu via minha bisavó andando pela casa.
Afinal, nunca nos despedimos, de modo que, pra mim, ela continuava viva.
A boa intenção de minha mãe criou em mim essa necessidade de ver o final da vida, de encerrar o que já não existe de forma solene.

Assim, peço aos que me puderem atender: não me privem do adeus.

lentidão

Presa ao que foi
Pés fincados no tempo
Que ainda não passou.

Me demoro nos escombros
Bagunçados da memória
Não esqueço a violência
Tampouco a gloria.

Queria ter alma de passarinho
Que esquece o vento
Assim que chega ao ninho.

Sou filha da terra
Crio raízes.
Mesmo quando termina
Não encerra.

domingo, 13 de setembro de 2009

quase retratos

Como bom cabritinho
Que primeiro precisa subir a montanha
Pra só então apreciar a paisagem
Folgo no fim
Pra escutar as letras
Que brotam enfim
Acordando fluidas
De dentro de mim.

É o momento em que brilho
Sinto os poemas
Como meus filhos.

Frutos de mim
Cópia infiel
Do que sou aos pedaços
Pequenas memórias
Quase retratos.

um pirulito pra memória

Não demora a partir
A poeira que veio colada no vento.
Retorno do sorrir com os olhos
Pra quem me vê
Adeus da dor no sentimento.

O calor dos amigos
Pedaços de vida em forma de gente
Dissipou as mazelas dos dias de antes.

Novas porteiras
Abrindo-se sem pretensão
Abrindo calmaria
No meio do furacão.

Apago os borrões
Da memória recente.
Lembrarei de meus amores
Macios e doces
Como o colo da mãe da gente.


quarta-feira, 9 de setembro de 2009

quem planta ira...

Não quero mais escutar
Playboyzinho revoltado
Porque o amiguinho
Pisou no seu quadrado.

Nem menino reclamar
Que a comida da mamãe
Não tem paladar.

Cansei de adolescente
Que só fala de si
Não sabe escutar.

Masturbação emocional
Resume-se nisso:
Não consegue penetrar.


Reclamar não soluciona problema
Não enche a geladeira
Só faz de ti mais um dilema
Que deixo na soleira.

mar aberto

É de sentido que vivo
No corpo inteiro:
Dor no peito
Desarranjo de emoções
Não aprendi o meio
Percorro o todo
Um emaranhado
Tormento
Inundado.

Não aprendi a paciência
É hoje que estou.
Amanhã não importa.

Minha chuva sempre
Tempestade
Alaga o dia
E até a cidade.

Desconheço as cercas
Ainda que tantos os arames
Onde já me espetei.
Sou primária no que levo.

Mergulho em mar aberto
Sufoco, às vezes.
Mas nunca me afoguei.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

"it's all over now, baby blue"

Quem deixa de amar
Não manda recado.

Foge da hora
Em que a boca se abre
Pra derramar a verdade.


Não anuncia que agora
Vai seguir outro rumo.


Acabado o encanto
Faz-se silêncio.
Quem deixa de amar
Se afasta sem ponto

Não termina a frase
Não escreve bilhete
Deixa de lembrança
Vácuo e sede.


domingo, 6 de setembro de 2009

paralisada

Paralisada
Sufocada de tristeza
Amor que se esvai
Derramado na mesa.

Evito a fuga:
Deixo livre o curso das lágrimas
Que correrão em meu rosto
Calmas e plásticas.

Coração troteava
Rasgando meu peito
Fiz tremendo
O que nunca tinha feito.

Bem pertinho ela estava
Verdade doída
Do lado de casa.

Fui atrás dos meus olhos
Ainda tontos
Pra entender que o rumo
Era outro.


quinta-feira, 3 de setembro de 2009

no fundo do mar

Não parece favorável
A conjunção astral
De repente tudo ficou travado
Suspenso em algum plano
Soando irracional.

Dias úmidos
Incertos
Um inferno glacial.

O mundo girando ao revés
Retrocesso
Pausa para o mal.

Energia dispersa
Desentendimento
Perda de sentido
Vontade submersa.

Quisera agora o mar
Afogar-me por instantes
Privar meu ouvido
Do som da terra
Mergulhar no azul
E boiar pra esquecer
Que quem está vivo
Erra.

de cheio e de som

Queria levar meus dias
Qual manhã nublada
Deixar a cabeça mais leve
Envolta em fumaça.

Deixar pra trás
Meus penduricalhos
Travas fechadas
Barreiras de mim
Alma cerrada.

Vou fechar os olhos
E viver de cheiro.

Calar minha boca
E me alimentar de som.


quarta-feira, 2 de setembro de 2009

os primeiros 30

Tiro férias pra trabalhar
Mesa cheia
De livros e letras
Me esperando pra acordar.

A cama me puxa
Nesta manhã chuvosa.

Ainda sinto as bolinhas
Do espumante
Deslizando na garganta
Quase sem pesar.

E lembro daqueles olhos tão pretos
Me sorrindo sem parar...

Comemoração memorável
As balzacas reunidas
Trocando confissões
Estraçalhando os pequenos
Vibrando com os grandões.