terça-feira, 30 de dezembro de 2014

eterno dezembro

todo dezembro
deixo um registro
pistas
surpresas 
refúgios
cartas na mesa.

todo dezembro repito
ritual necessário
limpeza da alma:
roupa velha
saindo do armário.

pois foi 2014
de longe o melhor
tampouco o pior.

foi ano de vida
que abarcou vitórias
e também despedidas.

foi ano de dor
solidariedade
terapia intensiva
divãs de verdade.

encerramento de fase
recomeço
pássaro de tinta
voando sereno
transformando vento
em ar rarefeito.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

divã

promovida ao divã
agora é comigo.
conto-me histórias
abraço o pecado
olho pro teto
olho pro quadro.

passado furacão
solto nas tintas
qualquer resto de tensão.

registro em cores
meu descaso
meus amores.

calma de azul hortênsia
se destaca na sala.

meio coração
se revela 
no canto da alma. 


domingo, 23 de novembro de 2014



Alguns estudos e umas e outras circunstâncias desta vida louca têm me feito pensar nas razões pelas quais o mundo pode ser por vezes tão cruel com as mulheres. E a resposta, tão óbvia quanto dolorosa, se chama vaca.
A vaca, expressão que não faz jus ao pobre animal que lhe empresta o nome, serve, contudo, como uma claríssima figura de linguagem.
 Porque a vaca, pasmem, também é mulher. Mas é um tipo específico de mulher que não sabe lidar consigo mesma e, por isso, perde tanto tempo útil incomodando outras mulheres.
A vaca usual é forte, é independente, opinativa. E magra. Trabalha sempre na defensiva. Na verdade, é a coitada, insegura e mal vestida que nada tem de verdadeiro ou precioso a oferecer. E é justamente por isso que pontua suas atitudes pelo pior. Não consegue esperar pelo melhor dos outros porque nada de bom teria para oferecer. Além de disciplina e autocontrole, é claro.
Mas também tem vaca gordinha, que finge que é feliz assim e sufoca em trufas recheadas de inveja, principalmente das vacas magras e esbeltas.
Não menos danosa é a vaca passiva. É a bonitinha infeliz e mal casada que se aproxima da vaca usual, que mama sem pena nas suas tetinhas duras e fartas do leite amargo da incerteza.  Ela sabe que é permanentemente vilipendiada pela vaca usual, mas não se reconhece no mundo de outro jeito: precisa da amiga vaca.
Assim, a vaca passiva acompanha as maldades veladas da vaca usual. Fica ali quietinha observando e sorrindo docemente. Se tivesse coragem, também ela faria suas maldadezinhas vez que outra. Mas não tem. E por isso, é a vítima eterna de outras vacas usuais. Que ela tanto odeia quanto admira. Elas servem de inspiração e dão conselhos valiosos. Especialmente sobre sexo e relacionamentos. Porque a vaca usual adora vender uma imagem de fogosa. Orgulha-se de dizer que nunca disse não.
Talvez por isso as vacas representem de forma contundente a submissão à força da piroca. Uma piroca em ambiente de vacas exaspera ainda mais a competição desleal que elas mais veneram: a sedução. Chegou a piroca, a vaca usual começa a miar. A cara lavada da pressa matinal se maquia de encantamento. Ela assume que prefere piroca. Lidar com homem é mais fácil. Elas querem mesmo é a piroca pra elas. Como uma espécie de certificado de aprovação. As vacas temem a leveza da liberdade. Não saberiam administrar tanto tempo consigo mesmas. A piroca carimba suas qualidades de vidro mal pintado de cristal.
A vaca usual, no seu devaneio de perfeição, não cansa. Ela dorme tarde, estudando pra algum concurso que não vai passar porque fatalmente será injustiçada, mas no outro dia de manhã é a primeira a chegar. Ou então é aquela vaca workaholic, que trabalha até tarde já que não tem ninguém em casa pra transar com ela depois do trabalho. Mesmo que tenha namorado (que mora invariavelmente em outra cidade - apesar de se amarem muito) ou um marido barrigudinho e banana. Porque a vaca usual casa com banana, aquele tipo nerd, bem sucedido profissionalmente, mas que ainda depende emocionalmente da mãe e agenda a trepada semanal, que seguirá uma liturgia de movimentos nada inéditos de fazer inveja a qualquer servidor público alemão.
Tem também a vaca misteriosa. Aquela que aparenta liberdade e abertura, mas não deixa escapar nada de sua tediosa “vida pessoal”. A aparência de contida reserva é o retrato da vaca amante. Ela não revela sua vida pessoal porque não pode. Secretamente sonha com a banalidade de uma ida ao supermercado com o parceiro. Não expõe sua vida privada porque ela de fato só acontece internamente: não conhece a rua, a frescura doce de amar a público. Não pode. Está resignada a seguir o destino que seu mestre – ex- chefe e eterno patrão – guardou pra ela: o sucesso aparente de um alto cargo longamente programado. Sua frágil ascensão profissional paga o preço alto do silêncio. Seu prazer não grita, sussurra.
Não se esgotam aí os tipos de vaca, há ainda toda uma geração a caminho. Quiçá, um dia, todas se encontrem. E se eliminem.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

contato

contato
abertura de espaço.

novas misturas
de foco
de traço.

amplio meu mapa
aumento o passo.

quero a poeira
bem sentada.

quieta
absorta
em nome dos laços.

acomodada na melhor poltrona:
onde couber meu abraço.

domingo, 7 de setembro de 2014

despedida

ainda não fui promovida ao divã
e já vejo 
me vejo
me busco 
me mexo.

mudança de foco
despedida do incerto
esvazio o copo.

não sem dor
vou deixando pra trás
amor às escuras
namoro sem par.

despedida imponderável 
nunca antes pensada
até então
impensável.

mas necessária
urgente
libertária.

 

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

digressão

Ontem troquei
minha falsa diversão
por um pedaço de vazio
minha amiga solidão.

é com gosto que fico
recolhida
pensante
escondida.

faço meu casulo
me importa cultivar meu mundo.

passo
mordisco
amasso
pedacinhos de passado
que ainda aparecem em sonho
digressão de espaço.


segunda-feira, 4 de agosto de 2014

foi entre um tombo
e meia dúzia de rasteiras
que de há pouco
e forte como um soco
percebi o óbvio:

não é canudo
dinheiro
realeza
disfarce
escudo
que trazem alegria no dia.

cozinhar pros amigos
aqueles de verdade, sabe?
que sempre estão comigo.
presentes
falando
ouvindo
juntos
conscientes.

é o pão com manteiga
no fim de uma noite
de um dia de chuva
que te pegou como açoite.

é o que fica de bom
de cada pessoa
que oferece o melhor
o certo
que tem alma boa.

pode ser um recado
de uma ex-aluna
que no meio da tarde
me faz um agrado.

ou um pacote de balas
especialmente pra mim
no meio da sala.

tão claro
e tão raro
ver que o que  importa
é mesmo o tato.



segunda-feira, 21 de julho de 2014

teoria do navio

até o sol 
se cobre de nuvens.

a leveza do ar
se transmuda em chumbo.

intermináveis minutos:
de silêncios farpados,
muitos.

com tudo, contudo
mar revolto
confuso
deixa emergir
navios de apoio
e carinho mútuo.

surpresas sem fim 
cada um trazendo um pouquinho
buscando o melhor
que guardo em mim.
 


terça-feira, 17 de junho de 2014

fundo

pra dormir em paz
me enfrento
e só respeito
quem me enxerga
e me aponta o dedo.


gosto do confronto
luta de frente
olho no olho.

vou buscar lá no fundo
peixinhos brilhantes
todo dia mudando.

cada escolha 
um preço
mas o meu bolso
é cheio.

domingo, 8 de junho de 2014

frestas

parece que tem uma porta
que nunca se fecha
volta e meio o passado
encontra uma fresta.

pra dividir culpas
explicar despedidas.

mostrar o tamanho
que foi a batida
expor a cicatriz
marca de vida.


sábado, 3 de maio de 2014

novos perfumes

viciada em euforia
me agarro na memória
daquele tempo em que eu
era sol 
e glória.

saudade da sensação
do aconhego de um sofá da sala
onde morei um dia.

a casa ficou pequena
e de tanto amor,
virou poema.

deixo aberta
porta e janela
pra que novos perfumes
passem por elas.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

tatuagem

agraço ao tempo
por mim, hoje
por ser 
exatamente
quem sou.

pela liberdade que a idade me confere
pelas fantasias criadas
e mais que tudo:
todas - todinhas
eternizadas.

guardadas no espelho da memória
grudadas a ferro.
no meu corpo
tatuadas.


terça-feira, 22 de abril de 2014

reencontro

mais uma vez o tempo
com seus meandros
desvelando segredos.

de novo ele
passando sereno
levando embora
dor e tormento.

fome de vida:
presença constante
na minha barriga.

explosões de prazer:
reencontros.

amor sem saber.

diversão todo dia
afagos sem fim
apago as luzes:
já não caibo em mim.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

acerto de contas II

na outra 
e também nessa vida
permaneci intacta

como aquela garrafa de vinho
que permanece fechada.

é preciso beber esse vínculo
lamber cada gota
remendando ponto a ponto
os cantos da boca.

nada ficando de fora
combustão de resíduos
enfim indo embora. 


terça-feira, 8 de abril de 2014

acerto de contas

como na música
também eu 
quero o nosso acerto de contas.

não tenho desejos
planos
segredos.

quero apenas retirar
qualquer migalha tua
que tenha ficado em meu lar.

não é mais o teu peito
a casa onde quero morar.

mas preciso resolver
essa coisa de outra vida
que ficou de novo nessa
inacabada e maldita.

em ti não quero mais pensar
não quero nem uma lembrança
nenhum átomo de te amar.

não quero a gota de chuva
de um céu por desabar.

 

quarta-feira, 12 de março de 2014

Para a Luiza, nos seus dez anos.



Todo dia é mais um
Pra sentir esperança
Regar as plantinhas
Ouvir uma música
Imaginar novas danças.

Mas amanhã
É o mais lindo dos dias:
O dia em que nasceu
Luiza.

Há dez anos
Chorando no hospital
Conheci essa menina
Novinha pro mundo!
Pros braços da vida.

Luiza, agora
Faz um monte de perguntas
Dá risada
E me mostra:
Um monte de sabedoria
Simplicidade doce
Honestidade 
zombaria.

Luiza me cobra um poema
Pra brindar sua saída
Da fase de criança
Pro começo da corrida.

Deixo então
sem mais e com pressa
Umas poucas palavras
Do imenso amor que tenho a ela.


terça-feira, 11 de março de 2014

no meio

chegar no fim
ou guardar um pouquinho?

deixar migalhas
pra alguma fome no caminho.

ou esgotar tudinho
queimando tudo
até o toquinho?

fico no meio
escolho as duas.

vou dormir tarde
mas ainda com lua.