terça-feira, 25 de novembro de 2014

divã

promovida ao divã
agora é comigo.
conto-me histórias
abraço o pecado
olho pro teto
olho pro quadro.

passado furacão
solto nas tintas
qualquer resto de tensão.

registro em cores
meu descaso
meus amores.

calma de azul hortênsia
se destaca na sala.

meio coração
se revela 
no canto da alma. 


domingo, 23 de novembro de 2014



Alguns estudos e umas e outras circunstâncias desta vida louca têm me feito pensar nas razões pelas quais o mundo pode ser por vezes tão cruel com as mulheres. E a resposta, tão óbvia quanto dolorosa, se chama vaca.
A vaca, expressão que não faz jus ao pobre animal que lhe empresta o nome, serve, contudo, como uma claríssima figura de linguagem.
 Porque a vaca, pasmem, também é mulher. Mas é um tipo específico de mulher que não sabe lidar consigo mesma e, por isso, perde tanto tempo útil incomodando outras mulheres.
A vaca usual é forte, é independente, opinativa. E magra. Trabalha sempre na defensiva. Na verdade, é a coitada, insegura e mal vestida que nada tem de verdadeiro ou precioso a oferecer. E é justamente por isso que pontua suas atitudes pelo pior. Não consegue esperar pelo melhor dos outros porque nada de bom teria para oferecer. Além de disciplina e autocontrole, é claro.
Mas também tem vaca gordinha, que finge que é feliz assim e sufoca em trufas recheadas de inveja, principalmente das vacas magras e esbeltas.
Não menos danosa é a vaca passiva. É a bonitinha infeliz e mal casada que se aproxima da vaca usual, que mama sem pena nas suas tetinhas duras e fartas do leite amargo da incerteza.  Ela sabe que é permanentemente vilipendiada pela vaca usual, mas não se reconhece no mundo de outro jeito: precisa da amiga vaca.
Assim, a vaca passiva acompanha as maldades veladas da vaca usual. Fica ali quietinha observando e sorrindo docemente. Se tivesse coragem, também ela faria suas maldadezinhas vez que outra. Mas não tem. E por isso, é a vítima eterna de outras vacas usuais. Que ela tanto odeia quanto admira. Elas servem de inspiração e dão conselhos valiosos. Especialmente sobre sexo e relacionamentos. Porque a vaca usual adora vender uma imagem de fogosa. Orgulha-se de dizer que nunca disse não.
Talvez por isso as vacas representem de forma contundente a submissão à força da piroca. Uma piroca em ambiente de vacas exaspera ainda mais a competição desleal que elas mais veneram: a sedução. Chegou a piroca, a vaca usual começa a miar. A cara lavada da pressa matinal se maquia de encantamento. Ela assume que prefere piroca. Lidar com homem é mais fácil. Elas querem mesmo é a piroca pra elas. Como uma espécie de certificado de aprovação. As vacas temem a leveza da liberdade. Não saberiam administrar tanto tempo consigo mesmas. A piroca carimba suas qualidades de vidro mal pintado de cristal.
A vaca usual, no seu devaneio de perfeição, não cansa. Ela dorme tarde, estudando pra algum concurso que não vai passar porque fatalmente será injustiçada, mas no outro dia de manhã é a primeira a chegar. Ou então é aquela vaca workaholic, que trabalha até tarde já que não tem ninguém em casa pra transar com ela depois do trabalho. Mesmo que tenha namorado (que mora invariavelmente em outra cidade - apesar de se amarem muito) ou um marido barrigudinho e banana. Porque a vaca usual casa com banana, aquele tipo nerd, bem sucedido profissionalmente, mas que ainda depende emocionalmente da mãe e agenda a trepada semanal, que seguirá uma liturgia de movimentos nada inéditos de fazer inveja a qualquer servidor público alemão.
Tem também a vaca misteriosa. Aquela que aparenta liberdade e abertura, mas não deixa escapar nada de sua tediosa “vida pessoal”. A aparência de contida reserva é o retrato da vaca amante. Ela não revela sua vida pessoal porque não pode. Secretamente sonha com a banalidade de uma ida ao supermercado com o parceiro. Não expõe sua vida privada porque ela de fato só acontece internamente: não conhece a rua, a frescura doce de amar a público. Não pode. Está resignada a seguir o destino que seu mestre – ex- chefe e eterno patrão – guardou pra ela: o sucesso aparente de um alto cargo longamente programado. Sua frágil ascensão profissional paga o preço alto do silêncio. Seu prazer não grita, sussurra.
Não se esgotam aí os tipos de vaca, há ainda toda uma geração a caminho. Quiçá, um dia, todas se encontrem. E se eliminem.